Ana Clara e Catarina, essa é uma carta para vocês
Minhas filhas, infelizmente essa mulher aqui não teve inteligência emocional a ponto de se proteger e decidir o que seria melhor para si. Foi inocente e ingênua, se entregou sem pensar, sem medir, apenas confiando no universo. Aliás, eu sou daquelas que quando vê o caminho, se joga, não mede muito as consequências, contando com a sorte e muitas vezes fica tudo bem, mas dessa vez não foi o que aconteceu. Eu estava convicta de que, a partir de um certo período da minha vida, já perto dos 40 anos, eu teria maturidade suficiente para lidar com qualquer situação mais pesada, digamos mais difícil, até porque já havia passado por um aborto aos 27 anos, um relacionamento conturbado e frustado que culminou no nascimento de uma criança de outra mulher, já havido sido amante, e também a namorada traída, fui julgada, virava alvo de fofocas e obsessão por muitos, já havia presenciado a morte de perto, passei pela morte do meu avô (aliás essa é uma história bonita de contar: eu fui a última pessoa a beija-lo e dizer: eu te amo, antes dele falecer). Assumir dois relacionamentos com mulheres por 9 anos, briguei com todos para ser ouvida e respeitada, trabalhei muito, sustentei seus avós por algum tempo, cuidei de mim, cuidei do Chai por 14 anos e muito mais quando ele perdeu os movimentos das patas traseiras, 9 meses antes de falecer, constituí sociedade antes de me formar, mudei de estado 3 vezes, mudei de casa mais de 20 vezes. Conheci e trabalhei com muita gente talentosa, muitos "famosos", modelos, atores, fotógrafos, donos de grandes indústrias e empresas, passei mais de 10 anos só andando de bicicleta, acampei em praias desertas, tomei ácido a primeira vez em um lugar que vocês iriam amar chamado Vale da Utopia. Ia em festas e nas aulas da faculdade fumada de maconha, aliás, era o meu hobby favorito com o seu avô. Já havia morado em Londres sozinha, já havia saído de férias para Fernando de Noronha sozinha, já havia feito muito besteira, o suficiente para achar que estava "curada" de todo o "mal" emocional que pudesse surgir ou me arremeter.
Eis então, que conheço o Bruno. Despretensiosamente, tinha algo com ele que eu sentia como se fosse de outras vidas, era o destino agindo mesmo, sabe? Algo além do plano da terra. E foi isso mesmo, era isso sim, mas vejam meus amores, esse era o meu desejo, o meu olhar, a minha criação de relação e fantasia, mas não era a dele. Tínhamos muito em comum, muito mesmo. Era até engraçado e surreal as nossas conexões. Para isso basta vocês verem as fotos que temos juntos, se ainda houverem até quando vocês chegarem a ler essa carta. De qualquer forma, só o fato de vocês estarem no mundo, já comprova que o que existiu, pelo menos da minha parte, foi inteiro, foi intenso, foi amor, da melhor forma que a palavra amor possa existir. Porém hoje eu sei que ele sofre de algo chamado TPN (transtorno da personalidade narcisista), é considerada uma doença bem grave, em que a pessoa dissocia seu eu interior, criando um falso self, no qual deposita toda uma fantasia, um personagem, que interage, vive, finge amar e ser uma pessoa "normal" porém o que existe dentro dele, de fato, é um vazio tão grande que nem mesmo ele consegue mensurar. Dizem os especialistas que tais pessoas são incapazes de amar verdadeiramente. São pessoas com ego inflado, arrogantes, superestimadas, que só se interessam pelo poder e controle manipulando suas vítimas (parceiros íntimos), que nesse caso, fui eu, e por consequência, vocês também.
Filhas, eu demorei cinco anos para despertar, para conseguir me libertar e entender o que estava acontecendo comigo, para enxergar que havia vivido de fato um relacionamento abusivo. E quando isso aconteceu, meu chão se abriu, ruiu, eu cai, desmoronei, entrei em choque, e eu fui tão fundo, mas tão fundo, que penso talvez jamais voltar a ver a luz do sol novamente. Aqui nesse lugar é justamente onde eu me encontro agora, ao escrever essa carta.
Vale acrescentar nessa história, ainda, que enquanto estávamos juntos, os avós paternos de vocês faleceram, quase no mesmo dia, velamos eles juntos, foi a tragédia mais surreal que eu já havia presenciado. Você Ana Clara, havia completado exatamente 2 meses, apenas. Foi muito triste e chocante para nossa recente formada família. Então logo no ano seguinte veio a Catarina, mais um raio de luz de presente para nós. Lembro que nesses anos cuidando de você pequena e grávida da mana, eu sofri bastante, o Bruno por vezes se demonstrava ausente, indiferente, chegava tarde do trabalho e quando eu estava na casa da praia ele aproveitava para se divertir com suas GPS e amigos. Enquanto eu seguia meu destino de gestar e maternar vocês. De qualquer forma, minhas filhas, ele sempre foi um ótimo pai, no melhor sentido, aquele que ajudava no banho, cuidava, trocava fralda, etc. Dentro da nossa sociedade, o homem que fizesse esses simples deveres era considerado herói.
Tenho certeza que um dia, quando encontrarem esse blog, será de grande valia para as duas. Essa é uma história interessante e precisa ser escrita, ser exposta e lida, principalmente por vocês, em um futuro próximo e vocês saberão o por quê.
Ah, meus amores, também preciso dizer que por mais que a gente viva, experimente situações e pessoas diferentes, nunca estaremos imunes de encontrar pessoas que fazem muito mal para nós. Essas pessoas podem ser uma amiga(o), uma colega(o), um estranho na fila do mercado, em qualquer lugar. E pode ser também aquele pelo qual nos apaixonamos e nos entregamos por inteiro algum dia.
O narcisista patológico não vê as pessoas como seres dotados de subjetividade e identidade, ele nos vê como objetos, um brinquedo, mais um bibelô que pode colocar e retirar de uma caixa. Eu fui por algum tempo o seu suprimento primário, ou seja, ao ser adulada e aliciada por ele nessa relação, me mantive leal, integralmente, fornecendo todo amor, todo respeito e compaixão que consegui dar, até ele sugar tudo, toda minha energia. Foi assim que despertei, e então estudei muito para concluir essa triste verdade.
No momento em que percebi que tudo que havia criado e idealizado ao lado dele era apenas um eco da minha própria voz invertida dentro do espelho onde está, entrei em agonia e sofrimento profundos. Especialistas falam que a vítima, no caso eu sofro atualmente de stress pós-traumático. A dor que sinto ao escrever essas palavras me corroe por dentro. E não adianta falar para ele, não adianta discutir. Ele como um ser disfuncional e doente, não escuta, não ouve, ele apenas ouve o que quer, ele recria dentro da fantasia onde vive o discurso que ele quer, pois em sua grandiosidade maligna jamais estará errado. Vejam, ele não sabe o que é ter emoções positivas e saudáveis, sente apenas raiva e inveja das pessoas, justamente por elas terem sua identidade, seu self definidos.
Portanto meus amores, devo concordar com ele, ficamos presas dentro de sua caixa por longos 5 anos, mantidas cárceres de abusos psicológicos e manipulações. Mas com a graça divina que me foi concedida, tive a coragem e a força de vontade para me impor, sair e retirar vocês de dentro desse lugar para que juntas e longe dele, dessa violência, permanecemos sãs e salvas.
Vejam que: ser colocada “numa caixa” é simbologicamente o mesmo que ser reduzida a um objeto, a um volume sem voz, sem desejo, sem presença ativa. isso é um padrão destrutivo e altamente perigoso, principalmente para os afetados diretos (Jessica e as crianças). Reduzida a um objeto, a um volume sem voz, sem desejo, sem presença ativa.
Jamais deixem qualquer homem ou mulher mandarem em vocês, manipularem vocês, se exaltarem sobre vocês. Aprendam a ler os sinais, as entrelinhas, aquilo que não foi dito. Pensem que quando alguém fala algo conosco, essa pessoa está com alguma intenção, sempre existe isso, procurem sempre encontrar a intenção dessa pessoa, muito mais do que o conteúdo do assunto que ela está a falar.
Um infinito amor dessa mãe que tentou ao máximo dar o seu melhor. Tudo vai ficar bem!























